Como boa mineira que sou, eu adoro um queijo e aqui na Itália a gastronomia consegue ser tão variada que se quisesse poderia comer um tipo de queijo diferente por dia durante mais de um ano, sem repetir. Segundo o “censo dos queijos”, existem cerca de 450 tipos de queijos no país. Os mais gostosos sem dúvidas, como tudo no mundo da gastronomia, são aqueles produzidos de modo artesanal por pequenas ou médias indústrias. Eu estive na Latteria Perenzin, que fica em San Pietro di Feletto, província de Treviso e produz queijos há 4 gerações.
Produção de queijo em uma empresa familiar
A empresa é muito conhecida e premiada pela produção de queijos de leite de cabra biológico e além de ser top no mercado nacional, vende ainda para Austrália, Canadá, China, Estados Unidos e vários países da Europa.
A maioria das indústrias de produção agrícola aqui na Itália são de gestão familiar. Os saberes e as técnicas são passadas de geração a geração e isso cria um laço muito forte entre o produtor, o produto e o território. Para a família Perenzin fazer queijo é uma arte e eles consideram os queijos criaturas vivas, testemunhas da cultura e da terra.
Essa paixão fez com eles criassem o PER, “Percorsi Enogastronomici di Ricerca”, em tradução livre, Percursos Enogastronômicos de Pesquisa, uma espécie de bodega, cheese bar e restaurante, um espaço moderno onde eles vendem seus queijos e especialidades da enogastronomia italiana e promovem degustações, cursos e eventos.
As etapas na produção do queijo
Este é o Carlo Piccoli, proprietário da Perenzin, medindo a temperatura do leite. Aqui começa o processo de produção do queijo. Neste momento é adicionado o fermento e logo depois o coalho. A temperatura de coagulação e o tipo de coalho são diferentes para cada tipo de queijo.
Com esse instrumento chamado lira, Carlo vai cortando a massa formada para facilitar a saída do soro, assim formam-se pequenos quadradinhos. Para obter queijos mais duros, os quadradinhos devem ser menores. Para queijos mais moles, não é necessário fazer muitos cortes na massa.
Aqui o Carlo coloca a massa nas forminhas. Esse é outro tipo de queijo, o robiola de cabra, um queijo de pasta mole e fresco, feito com leite cru. Eu acho uma delícia comer com salada e verdura. Outra coisa boa: tem baixo teor de colesterol.
Esse é o momento da salga. Os queijos são colocados em banheiras com sal, que além de dar sabor, contribui também como agente conservante e com a consistência e textura da massa e da casca.
Esse é o ciock ao vinho tinto, um formaggio ubriaco, ou seja, um queijo bêbado. Rs. Durante a primeira guerra mundial os soldados italianos escondiam os queijos dos austríacos, cobrindo-os com o mosto do vinho. Hoje ele é fabricado principalmente aqui no Vêneto, com mosto de vinho de vários tipos de uva. O queijo absorve o aroma do vinho e tem um sabor muito particular.
Tem que ter muita força e disposição pra virar um por um todos esses queijos enquanto eles ainda estão envelhecendo para o consumo.
A degustação
O cardápio do restaurante propõe antipastos como a saladinha de cereais com queijo robiola bio, pratos principais, como o Maccheroni del Casaro, uma massa com queijo montasio, pimenta do reino e alecrim e segundo prato como Tenera di Vitella, carne com aspargos grelhados e um molho de queijo San Pietro. A maioria dos pratos é feita com os queijos da casa. Existem muitas opções para vegetariano e pratos gluten free.
Começamos a degustação com essas cacciotinas de cabra
Carlo propõe a degustação sem acompanhamento de mel ou geleias, assim o sabor do queijo é muito mais puro e fica mais fácil de entender as diferenças e apreciá-los
Esse é o queijo medieval, uma interpretação da Perenzin para os antigos queijos daquele período. É muito forte e intenso. Uma dica do Carlo é dar uma quebradinha do queijo pra poder sentir melhor o cheiro, pois assim ele libera os aromas
A gente sempre encontra pessoas especiais em todos os lugares. Essa é a Irmã Eulália, uma freira que veio do Togo, especialmente para aprender a arte da produção de queijos junto da família Perenzin.
O que mais me emociona e alegra durante esses percursos enogastronômicos aqui na Itália é o valor que essas pessoas dão às tradições e ao território. O pessoal da Perenzin quer que o mundo inteiro conheça a riqueza de recursos que existe aqui no Vêneto por meio dos queijos que eles produzem. Para quem está se perguntando o que eu faço com a minha intolerância à lactose nessas ocasiões, respondo: simplesmente ignoro. A vida é uma só e não dá pra deixar essas emoções passarem em branco.