Falei aqui sobre o passeio que fiz pela Laguna de Veneza e citei a uva dorona. É incrível a quantidade de uvas autóctonas que existem no território italiano. As uvas autóctonas são aquelas nativas que têm maior dificuldade de adaptar-se a solos diferentes por isso são típicas de cada região. A uva dorona vem de um antigo vinhedo cultivado desde o século XV nas ilhas da laguna de Veneza.
O nome “dorona” vem de ouro, exatamente a cor que ganha seus cachos quando está madura. Com o tempo porém, o cultivo desse tipo de uva foi diminuindo até quase desaparecer a não ser por pouquíssimos camponeses como o senhor Gastone (o mesmo que produz a alcachofra violeta da qual já falei por aqui) que dedicavam um pequeno espaço de sua terra a uma produção mínima de dorona.
A dorona era a uva dos doges, os grandes chefes da antiga República de Veneza. Juntando isso ao próprio nome da uva temos uma ideia de quanto precioso pode ser seu vinho.
Esse é o vinho da uva dorona produzido de modo artesanal na ilha de Sant’Erasmo.
A história poderia acabar em livros ou contada pelos mais velhos ou apaixonados pelo vinho e pelo território de Veneza, mas um conhecido produtor de vinhos aqui do Vêneto resolveu recuperar os vinhedos da dorona, em uma ação que mobilizou o comune de Veneza, especialistas do setor e os moradores da laguna.
Com um estudo profundo sobre a história e o território, o empresário Gianluca Bisol juntou sua paixão pelo mundo dos vinhos e a técnica adquirida com a experiência de sua cantina e criou na ilha de Mazzorbo um vinhedo de uva dorona. Bisol é um empresário que enxerga longe e desde sempre acreditou na valorização da tradição como uma estratégia de promoção do território.
Na aventura embarcou também o prestigiado enólogo Roberto Cipresso, que junto a Desiderio Bisol, o enólogo da família Bisol, depois de muita pesquisa e trabalho, replantaram a uva dorona. Um parêntese: eu tive uma aula incrível com o Roberto Cipresso que me contou que, em sociedade com o Galvão Bueno estão produzindo uma edição especial de um Brunello di Montalcino que em breve chegará ao Brasil.
Ao lado do vinhedo, Bisol recuperou uma tenuta onde hoje funciona o Venissa, uma estrutura dedicada ao turismo naturalístico e à divulgação e incentivo das atividades da tradição lagunar. Além do premiado restaurante (1 estrela Michelin), Venissa oferece quartos para hospedagem, além de permitir o acesso à área dos vinhedos e da horta, uma prática utilizada há muito séculos na região das ilhas.
Os vinhedos de uva dorona dentro da tenuta Venissa podem ser visitados livremente.
Eu tive o privilégio de visitar o Venissa e experimentar o vinho produzido com a uva dorona, que também ganhou o nome Venissa. É realmente algo exclusivo e precioso.
No lugar do rótulo, as garrafas ganharam uma folha de ouro, outra tradição antiga veneziana. Tudo pensado nos mínimos detalhes para valorizar a recuperação da história. A produção é bem reduzida e pode-se dizer que é um vinho para verdadeiros amantes e colecionadores.
Uma garrafa de 500 ml custa no restaurante Venissa 150 euros. Um vinho branco delicado com toques de ameixa, damasco, laranja e flor de pêssego. A preciosidade do vinho está na sua raridade, no seu sabor, na sua roupa, mas também na genialidade com o qual consegue transmitir a história do seu território.