Que Veneza é uma cidade maravilhosa e única todo mundo sabe. O que poucos dos 30 milhões de turistas que passam pela sereníssima por ano sabem é que o território vai muito além de um passeio pelas calles e pontes lotadas pelo turismo de massa. Veneza é só uma das cerca de 40 ilhas que compõem a Lagoa de Veneza, onde sobrevivem ainda as tradições do ecossitema “lagunar”, menos conhecido mas igualmente histórico e importante. As ilhas mais conhecidas são as “ilhas maiores”: Burano, Murano, Mazzorbo, Torcello e Sant’Erasmo.
Eu fiz um giro de barco pela Laguna de Veneza e visitei algumas das ilhas em um passeio que tinha como objetivo conhecer os sabores e tradições do ambiente da Laguna. Parti em um “bragozzo”, um pequeno barco típico da cultura veneziana construído artesanalmente com técnicas antigas. Os venezianos eram mestres na construção de embarcações.
Esse é o Bragosso, embarcação típica veneziana
A primeira parada, depois de ver de longe Murano e Burano foi na pequena cabana de um simpático pescador, o senhor Umberto, onde fomos conhecer a história de um típico prato veneziano, a moeca. A moeca é o caranguejo em sua fase de mutação. No momento em que perde a carapaça, o caranguejo se transforma e fica “molengo” e ainda vivo é passado em ovo, farinha e frito em uma panela com óleo bem quente. É como o nosso siri mole.
O senhor Umberto reúne sempre seus amigos na sua cabana para encontros com muita música, peixe e vinho, é claro. Aqui ele estava preparando as panelas para fritar peixe fresquinho para nós.
O interessante é que a mutação do caranguejo em moeca tem um período certo, acontece somente duas vezes ao ano, na primavera, entre abril e maio e no outono, entre outubro e novembro. Hoje em dia são poucos os pescadores que ainda se dedicam à produção de moeca, os chamados “moecantes” . É muito trabalhoso e por isso mesmo um produto caríssimo, no mercado de Rialto custa de 40 a 70 euros o quilo, já em um restaurante, quatro moecas já preparadas custam 14 euros. A moeca faz parte dos presidium Slow Food, um projeto da conhecida organização que incentiva a recuperação de produtos agroalimentares em vias de extinção.
Esse é o “bussolai”, um dolce típico da ilha de Burano feito com farinha, açúcar, manteiga e ovos, simples e delicioso.
Sant’Erasmo é famosa por um outro conhecido produto da culinária veneziana, a “castraure”, uma alcachofra de cor violeta que cresce nos campos da pequena ilha. As ilhas da Laguna de Veneza sempre tiveram uma grande vocação para a produção de legumes e verduras com as hortas cultivadas principalmente pelos monges que viviam nos monastérios. Em Sant’Erasmo fomos recebidos pelos camponeses Gastone e Dariela que nos acompanharam nos campos de alcachofra e da uva dorona, uma espécie de uva autóctona que estava praticamente esquecida e com o esforço de produtores, enólogos e um empresário foi recuperada e hoje faz um vinho muito precioso. Falarei sobre em outro post. A alcachofra violeta de Sant’Erasmo também faz parte de um presidium Slow Food.
O senhor Gastone cultiva as alcachofras violetas protegidas pelo Slow Food
A última parada foi a Ilha de Mazzorbo com suas típicas casas coloridas. A sensação é de que o tempo parou, a ilha tem pouco mais de 300 moradores e é caracterizada por campos e hortas com produção agrícola. Um dos destaques é a igreja de Santa Caterina. Mazzorbo é ligada a Burano por uma ponte de madeira. Em Mazzorbo visitamos o Venissa, um restaurante belíssimo premiado pelo Guia Michelin que também possui quartos para hospedar os turistas. O Venissa é um projeto do mesmo empresário que recuperou a uva dorona, da qual falei, mas essa história merece um post especial.
Um passeio pela Laguna de Veneza é uma experiência única que vai além do roteiro convencional pela cidade. Uma oportunidade de conhecer as tradições locais e a riqueza gastronômica do território. Várias empresas oferecem o passeio de bragozzo, o barquinho típico. Nós utilizamos os serviços do El Bragosso Va.